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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Que Ilha bela!




terça-feira, 2 de novembro de 2010

Como é lindo o meu garoto!

Sem palavras, as imagens falam por si mesmas. Ou será que não?




quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sobre as campanhas antidrogas.

De um modo geral, as campanhas contra as drogas na América Latina acontecem de modo simultâneo. O significado sociopolítico de tais campanhas extrapola as suas motivações explícitas. Normalmente elas se estabelecem como forma de controle, mas também como mecanismo com finalidades políticas: desviar a atenção de problemas locais mais importantes, produzir o consenso fundamental e necessário para que medidas autoritárias pudessem ser adotadas, desacreditar e desarticular movimentos e instituições sociais e, por fim mas não menos importante, as finalidades estratégicas da dominação internacional.
As campanhas contra as drogas costumam vir acompanhadas de uma carga de fabulação atribuídas às drogas em encontros internacionais de todos os tipos. A elas foram atribuídos adjetivos diversos, menos por critérios científicos e mais por critérios religiosos e apocalípticos, tais como: “erva maldita”, “veneno de nossa sociedade”, “causa da perda dos valores”, etc.
Em torno das drogas encontra-se uma capacidade de, ao mesmo tempo, fascinar e aterrorizar, bem como aglutinar consenso em torno de sua condenação e das políticas de combate a ela. Também giram a maior concentração de pré-conceitos e de conhecimentos pré-elaborados e senso comum. Deste modo, há o predomínio dos estereótipos oriundos do senso comum e dos moralismos superficiais. Assim, difícil é tratar do assunto sem “receber a acusação de perversão, maldade ou cumplicidade”. (CASTRO, 2005, p. 172)
O tema fica mais grave quando consideramos que na América Latina importamos tudo dos Estados Unidos da América (EUA), dos seus problemas às suas diretrizes de ação, passando por suas perspectivas morais. Um dos maiores exemplos disto é que, no caso das drogas, a criação de penas cada vez mais severas, mesmo que alguns casos inconstitucionais, têm-se apresentado como uma exigência maior de política pública. Na Venezuela por exemplo, a lei antidrogas foi aprovada em apenas cinco dias, mesmo que lhe imputados graves erros, confusões e contradições, como por exemplo, disposição de imprescritibilidade e penas tão altas quanto as previstas para o homicídio.
Segundo Lola Aniyar de Castro (2005, p. 173), dentre as diversas formas de controle, chama a atenção a forma utilizada pelo Equador que, segundo nota de jornal, estimula os policiais a colaborar com a repressão ao narcotráfico com “prêmios de viagem à Disneylândia, quando detiverem delinquentes e os entregarem à Miami”.
Estudos tendem a mostrar que os danos produzidos pelas drogas são muito mais o resultado da política sobre droga do que por seu efeito farmacológico.
Outro aspecto relevante está na compreensão que se dá à chamada “cooperação internacional”. Embora não exista de fato uma cooperação internacional em torno do combate às drogas, há uma ilusão de que ela existe. No entendimento de Lola Aniyar de Castro (2005, p. 173)
A realidade é que os Estados Unidos não cooperam com nossos países mas com seus próprios interesses internos, fazendo-nos crer que o interesse é mútuo”. [...] É importante assinalar que os Estados Unidos não apenas impuseram seus critérios de criminalização à ordem internacional como obtiveram benefícios secundários de caráter político.
A história da criminalização da droga demonstra a influência de certos interesses e como isto acabou por determinar a transformação de seu valor de uso em valor de troca. Deste modo, a droga ascendeu à condição de super-mercadoria no mercado internacional e nos mercados locais e tudo isto em virtude dela ter-se transformado em objeto de comércio proibido.
O consumo de drogas é habitual e quase natural em diferentes contextos sociais. Segundo Lola Aniyar de Castro (2005, p. 174) “A droga integra a história cultural e religiosa do Terceiro Mundo. São os países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos, que impõem a proibição”.
A desconfiança que aparece como pano de fundo é a de que interesses de outras ordens, que pouco ou nada têm a ver com as drogas, intervêm na proibição. Originalmente países como a Grã-Bretanha, Alemanha e Índia mostravam-se mais preocupadas com a regulação do que com a proibição. É a partir de 1971 na Convenção de Substâncias Psicotrópicas de Viena que a mentalidade proibicionista dos EUA começa a se impor garantindo a eles o domínio, pois “conseguem instituir uma política internacional, estreitamente associada aos órgãos da droga das Nações Unidas, em quase todos os países do mundo”. (CASTRO, 2005, p. 174)
A política de criminalização das drogas, no entanto, volta-se para aquelas que são produzidas nas regiões subdesenvolvidas. Quando se trata das drogas produzidas pelos países industrializados como o álcool e o tabaco, o controle ganha outros significados. Por outro lado, também não se controla a venda das drogas denominadas de “produtos farmacêuticos” que são proibidas em seus países de origem, mas que são comercializadas livremente nos países do Terceiro Mundo.
Uma tentativa de aprovação de um código internacional sobre drogas junto à Organização Mundial de Saúde (OMS) foi encabeçada por países do Terceiro Mundo, mas rejeitada pelos países desenvolvidos que controlam por meio de suas empresas farmacêuticas privadas 89% da produção de fármacos em um mercado que atinge anualmente a cifra de 8bilhões de dólares. Os EUA controlam 75% do negócio dos remédios em nível mundial e a metade dos recursos da OMS.
A criminalização das drogas também traz vantagens em outros campos da economia industrial. Surgem na esteira da criminalização das drogas as indústrias legais da consciência: publicidade e meios informativos com seus enormes lucros; a indústria da música, da moda e dos acessórios. Aparecem, ainda, a indústria do tratamento médico, psiquiátrico, psicológico, religioso e da assistência social. Mas a mais significativa e lucrativa é a indústria da repressão com seus recursos astronômicos que aumentam a cada nova campanha anti-drogas.
O caráter destrutivo que é atribuído às drogas traz uma consequência vantajosa às políticas de controle que é a criação de certos estereótipos vinculados à dominação interna. Assim, estudantes contestadores, desempregados, trabalhadores relapsos e todos aqueles que não trazem consigo os valores políticos dos dominantes são frequentemente vinculados em sua imagem ao vício e ao delito. Assim, a criação de estereótipos tem utilidade na medida em que estigmatiza o maniqueísmo social da relação entre os “bons” e os “maus”.
Outro estereótipo é o que vincula a droga à subversão, isto é, o tráfico e o consumo de drogas é frequentemente associado às atividades subversivas e, deste modo, dá-se uma maior legitimidade ao controle social e político, pois o seu poder contaminador associado a condicionantes morais o tema “droga” serve para deslegitimar pessoas, movimentos, governos, ações pessoais ou públicas e, o que parecer ser pior, sem necessidade de apresentação de argumentos comprobatórios.
Por último, cabe destacar a vincular entre as drogas criminalizadas e parte dos organismos de maior poder na sociedade. É do conhecimento comum da sociedade que as organizações criminosas em torno das drogas são altamente sofisticadas com organização piramidal que se pode identificar a base e até algumas pessoas intermediárias, mas cuja ponta não se conhece quem a ocupa. Como é uma empresa que movimenta grande quantidade de capital, boa parte desse capital é lavado ou “branqueado” em empresas nacionais e até internacionais de aparência lícita.
Além do mais, governos também têm-se beneficiado do poder econômico das drogas, pois há governos que foram (e são) sustentados pelo dinheiro oriundo do tráfico de drogas. “Na América Latina começou-se a considerar a droga (não apenas sua produção, mas seu comércio) como uma economia alternativa para países em crise”. (CASTRO, 2005, p. 180) Em alguns países a renda obtida por meio das drogas é inclusive superior ao Produto Interno Bruto (PIB).
E outro aspecto econômico é a monetarização da droga, em especial na América Latina. Este fenômeno se dá porque a cotação da droga no mercado internacional se dá em dólares, que tem mais estabilidade do que algumas moedas nacionais, assim, criam-se reservas de riqueza em drogas e não em dinheiro, também que se façam pagamentos em drogas.
Aqueles que ocupam a cúpula desta estrutura encontram-se distantes dos que produzem e comercializam as drogas, também estão distantes das atividades de controle. São elementos geralmente identificáveis pela polícia, que nem sempre podem chegar a eles, ou não querem.
Deste modo, a proibição em torno das drogas tem alimentado um comércio de vultosa quantidade de dinheiro, dando origem a um poder econômico muito mais forte do que o de muitas empresas transnacionais. As consequências políticas internacionais de tudo isto são imprevisíveis.
José Rogério de Pinho Andrade.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Príncipe - Maquiavel

“O Príncipe” de Maquiavel passo a passo: adaptação de Maquiavel & O Príncipe de Alessandro Pinzani.

O tema dos primeiros nove capítulos é a aquisição de um principado num território estrangeiro (capítulos III até VII) ou na própria pátria (capítulos VIII e IX): nos capítulos I a IX, Maquiavel fala dos vários tipos de Estados, em particular aos vários tipos de principado, e das dificuldades relativas à conquista de territórios novos e, portanto, ocupa-se brevemente da questão sobre se é melhor contar com a ajuda de outros ou somente com as próprias forças.
Os capítulos X e XI tratam da defesa contra inimigos externos, sendo que este último considera, porém, esta questão de um ponto de vista não muito usual, porque enfrenta o problema se os principados eclesiásticos, que são baseados sobre a religião, precisam de armas para se defender. Dessa maneira, Maquiavel consegue também concluir a investigação acerca dos diversos tipos de principados.
Os capítulos XII até XIV avaliam se é melhor para o príncipe recorrer às milícias mercenárias ou formar uma milícia cívica, e do XV ao XXV ele trata da figura do príncipe e das regras de conduta que deveria seguir. O capítulo XXVI, como já mencionado, consiste numa exortação no sentido de libertar a Itália do domínio das potências estrangeiras, como França, Espanha e Império Alemão.

Os diversos tipos de principado.

O Príncipe inicia com uma série bastante árida de distinções teóricas entre os diversos tipos de Estados ou domínios "que tiveram e têm poder sobre os homens” e que serve para chegar imediatamente ao objeto do seu interesse - deixando de lado todos aqueles tipos de governo que ele não considera eficazes para alcançar o fim prático (a saber, a unificação da Itália).
Uma primeira distinção é aquela entre repúblicas e principados. Maquiavel anuncia que não tratará das repúblicas. Portanto, O Príncipe trata somente dos principados.
Estes podem ser hereditários ou novos. Os hereditários, por si só, não são interessantes por duas razões. Em primeiro lugar, neles "são bem menores as dificuldades para se governar do que nos [principados] novos, pois basta não descuidar da ordem instituída pelos seus antepassados"; portanto, nos principados hereditários, qualquer "príncipe de capacidade mediana" pode manter-se na sua posição, enquanto "é no principado novo que estão as dificuldades".
A outra razão, não indicada explicitamente, é o já mencionado fim político com o qual Maquiavel se decide a escrever O Príncipe: a unificação da Itália só pode acontecer através da criação de um Estado novo.
Este pode ser ou inteiramente novo ou um membro anexo ao estado hereditário do príncipe que o adquire. É isso que interessava a Maquiavel, pois era possível que a Itália fosse unificada a partir de um Estado já existente ou criando uma formação estatal nova. Em ambos os casos, o príncipe deveria enfrentar dificuldades, que variariam conforme os tipos de Estados conquistados e a maneira de conquistá-Ios.
Não contente de ter reduzido o seu objeto aos principados novos, Maquiavel menciona dois outros tipos de Estado, a fim de mostrar a fraqueza deles e eliminá-Ios da sua análise: as tiranias e os principados eclesiásticos (abordados nos capítulos VIII e XI, respectivamente). No caso das tiranias, ele justifica parcialmente a crueldade do tirano: as crueldades "que se fazem de uma só vez pela necessidade de se garantir e depois não se insiste mais em fazer, mas rendem o máximo possível de utilidade para os súditos”.
Maquiavel considerava a utilidade dos súditos como o critério final para julgar as obras dos príncipes. Além disso, ele está longe de pensar que o príncipe deva sempre ser cruel e desumano, pois, a crueldade traz consigo muitos riscos enquanto causa medo e ódio nos súditos - e "os homens ferem ou por medo ou por ódio", como afirma Maquiavel no capítulo VII. Por essa razão, o conquistador deve fazer "todas as ofensas que precisa fazer" de uma só vez, a fim de que, "tomando-se menos o seu gosto, ofendam menos".
Com respeito aos estados eclesiásticos, Maquiavel os considera os únicos "seguros e felizes”, pois a natureza é tal que se torna inútil qualquer ataque ou guerra. Evidentemente, Maquiavel pensa aqui no domínio espiritual do papa ou de outros chefes religiosos. Mas, no seu tempo, a Igreja tinha alcançado também um grande poder temporal. Por isso, nos capítulos XI e XII Maquiavel acusa explicitamente a Igreja de ser uma das causas principais da ruína da Itália. Mais, os papas sempre tentaram reduzir o poder dos outros Estados impedindo assim que um deles conseguisse conquistar e unificar o país.
O interesse principal de Maquiavel não é a questão do surgimento da sociedade civil e do Estado. Mas sim o problema da aquisição do poder em geral e do poder num principado novo em particular. E a atenção para este último problema surge do interesse de Maquiavel pela questão da unificação italiana. O príncipe que unificasse a Itália deveria iniciar o seu feito partindo do zero, ou seja, criando um novo estado através das suas conquistas.

A conquista de novos domínios.

Criar novos domínios apre¬senta dificuldades que mudam de acordo com o tipo de províncias que devem ser conquistadas. Maquiavel inicia a análise dessas dificuldades no capítulo III, no qual recorre a exemplos tirados da Antigüidade (particularmente a romana) e contemporâneos (a política do rei da França Luís XII) para indicar quais são as melhores linhas de ação para quem intenta conquistar novas províncias. Se o território conquistado é da mesma língua e tem os mes¬mos costumes, o príncipe deverá simplesmente "extinguir a dinastia daquele que os dominava”, porque o povo daquela região se acostumará prontamente ao novo senhor. Porém, no caso de se tratar de uma província diferente "por língua, costumes e leis”, as dificuldades são muito maiores.
Os remédios aconselhados por Maquiavel são dois. O primeiro é que o conquistador resida no lugar. Dessa maneira, ele sempre poderá controlar a situação, prever desordens, manter contato direto com os súditos sem deixá-Ios à mercê dos seus funcionários - que poderiam espoliá-Ios. O segundo remédio consiste na fundação de colônias nas regiões conquistadas, conforme o exemplo dos romanos antigos. Em ambos os casos, o príncipe forasteiro deverá se aproveitar do descontentamento daqueles habitantes da província que são menos poderosos e, portanto, invejam "os que são mais poderosos deles". O príncipe forasteiro não terá "dificuldade alguma em atraí-Ios, pois logo todos juntos se unirão ao Estado conquistador. É preciso somente atentar para que não alcancem excessiva força e autoridade .... Quem não governa bem quanto a esse aspecto rapidamente perderá aquilo que tiver conquistado”.
No capítulo IV, Maquiavel inspira-se no exemplo clássico de Alexandre o Grande, cujo império não se desfez com sua morte, como se poderia esperar. A razão, segundo Maquiavel, está no fato de que o império persa e os outros reinos asiáticos conquistados por Alexandre eram governados "por um príncipe de quem eram servidores todos os outros, que, na qualidade de ministros por sua graça ou concessão, o ajudavam a governar aquele reino". Como exemplo contemporâneo, Maquiavel menciona a monarquia turca. Quem quisesse conquistar esse tipo de principado, encontraria grande dificuldade, pois todos os funcionários são muito ligados ao monarca e "dificilmente podem ser corrompidos e, ainda que o fossem, pouco se poderia esperar de útil da parte deles, pois não atrairiam o povo”. Mas, uma vez conquistado o reino e aniquilada a velha dinastia, será muito fácil mantê-Io exatamente porque o povo, não sendo afeiçoado aos seus chefes, não os ajudará nas suas eventuais tentativas de revolta.
De outro lado, há principados que são governados por um príncipe e por barões "que detêm suas posições não pela graça do senhor, mas pela antigüidade do sangue”. Esses barões possuem "súditos próprios que os reconhecem como senhores e nutrem por eles natural afeição”. Um exemplo é a França, onde à senhoria do rei se junta aquela de uma antiga nobreza de sangue. Quem quisesse conquistar aquele reino poderia adquirir facilmente a aliança de algum barão, "pois sempre se encontram descontentes e pessoas com desejo de inovar". Mas, ainda que o príncipe forasteiro não encontre dificuldade em conquistar o reino, ele deve também contar com a resistência dos outros barões e dos súditos a ele afeiçoados, e encontrará, portanto, grande dificuldade em manter a sua conquista.
Nesse capítulo IV se vê, então, como Maquiavel acreditava na existência de um paralelismo entre a Antigüidade e a sua época, e como tinha a convicção de que, em qualquer momento da história, sempre funcionam os mesmos mecanismos e valem as mesmas regras para a ação. Vê-se também como, para Maquiavel, o povo constitui-se somente numa massa passiva privada de vontade própria, um instrumento nas mãos de quem sabe utilizá-Io - nesse caso, o príncipe estrangeiro ou os barões locais.
No capítulo seguinte Maquiavel investiga se é mais fácil conquistar repúblicas ou principados, respondendo que é muito difícil conservar uma cidade habituada a viver em liberdade. Ele elenca três maneiras para alcançar este último fim: destruir a cidade; ir pessoalmente residir nela; ou deixá-Ia viver sob suas próprias leis, limitando-se a impor um tributo e a criar nela uma oligarquia de aliados. Aqui, Maquiavel expõe uma daquelas teses radicais que incentivaram a fama de pensador cínico e sem escrúpulos: "Na verdade, não existe modo seguro de possuir [as repúblicas], exceto a ruína”.
Maquiavel passa então, nos capítulos VI e VIII, a tratar dos principados conquistados respectivamente "com armas próprias e com virtú" ou "com as armas e a fortuna de outrem". No primeiro caso, os conquistadores ou fundadores de reinos souberam aproveitar-se das circunstâncias favoráveis para agir. Ao fazerem isso, encontraram dificuldades, já que foram obrigados a introduzir uma "nova ordem" e "novos métodos" para fundar e manter o Estado. Para Maquiavel isso constitui a coisa "mais difícil de se fazer, mais duvidosa de se alcançar, ou mais perigosa de se manejar”. A razão é que o introdutor de uma nova ordem "tem por inimigos todos aqueles que se beneficiam com a antiga ordem”, enquanto aqueles "a quem as novas instituições beneficiariam" são aliados tímidos, em parte por medo dos adversários, em parte por causa "da incredulidade dos homens, que só crêem na verdade das coisas novas depois de comprovadas por uma firme experiência”. Portanto, os inovadores devem dispor de recursos e armas suficientes para atingir seus objetivos; caso contrário, estão fadados à ruína: ''Todos os profetas armados vencem, enquanto os desarmados se arruínam”.

César Bórgia como príncipe ideal.

No capítulo VII Maquiavel nos oferece o exemplo de um homem virtuoso que encarna todas as qualidades necessárias a um príncipe novo: César Bórgia.
Bórgia está sempre entre aqueles "que somente pela fortuna de cidadãos particulares se tornam príncipes”. Eles chegam a isso "com pouco esforço, mas com muito esforço se mantêm”, pois dependem ou da vontade e da fortuna "de quem lhes concedeu o poder”, ou da sua própria fortuna. Esses príncipes precisam, portanto, reforçar a sua posição criando os fundamentos necessários para a estabilidade do seu poder depois de ter alcançado tal poder, e isso é precisa-mente o que Bórgia tentou fazer.
Maquiavel dedica quase todo esse longo capítulo à descrição das ações de César Bórgia, narrando como ele criou um estado independente na Itália central, desfrutando das alianças de seu pai, o papa Alexandre VI. Contudo, não conseguiu influenciar a eleição de um novo papa favorável a ele, e pouco depois seu reino se desfez, e ele precisou fugir para a Espanha, onde morreu comba¬tendo como mercenário. Maquiavel, porém, absolve-o, culpando a fortuna por sua ruína: "Havia no duque tanta magnanimidade e virtú, tão bem sabia como ganhar e perder os homens e tão sólidos eram os fundamentos que em tão pouco tempo construíra para si que, se ele não tivesse aqueles exércitos [inimigos] em seu encalço ou se estivesse em boa saúde, teria superado todas as dificuldades. ... Recapitulando, portanto, todas as ações do duque, eu não saberia em que censurá-Io”.
As considerações sobre César Bórgia e o uso descarado da crueldade, da violência e do perjuro conduziram Maquiavel a enfrentar, no capítulo VIII, o tema daqueles que "chegaram ao principado por atos criminosos". Maquiavel considera a posição desse tipo de príncipe difícil de manter se não sob a condição de fazer "todas as ofensas" de uma vez, para governar depois com benefícios do povo, conforme fez Agátocles.
O capítulo VIII marca uma virada na argumentação de Maquiavel. Até esse ponto, ele havia tratado principalmente da criação de principados novos através da conquista de territórios estrangeiros. Nesse caso, porém, ele se ocupa de príncipes que chegaram ao poder na sua cidade ou no seu país.
Essa é a perspectiva do capítulo seguinte, no qual Maquiavel trata daquele cidadão particular que "se torna príncipe de sua pátria não por atos criminosos..., mas pelo apoio de seus concidadãos”. Esse tipo de principado ele denomina "principado civil". O príncipe recebe o poder ou dos grandes ou do povo. No primeiro caso o príncipe se deparará com mais dificuldades do que no segundo, pois será cercado de muitos que se consideram seus iguais e não se deixam comandar por ele. Além disso, o povo só quer não ser oprimido pelos grandes. É, portanto, mais fácil satisfazer o povo, enquanto os grandes querem dominar e este se constitui num fim potencialmente ilimitado, o qual nunca poderá ser completamente satisfeito. Se o povo se volta hostil para o príncipe, este não deve temer conseqüências imediatas, pois "o pior que um príncipe pode esperar de um povo hostil é ser abandonado por ele; mas dos grandes, quando inimigos, deve temer ... que o ataquem'”. Por outro lado, é mais fácil defender-se contra os grandes "porque são pou¬cos”, e não muitos como no caso do povo. Deve-se também dizer e saber que "o príncipe tem sempre de viver com o mesmo povo, mas lhe é perfeitamente possível prescindir dos mesmos grandes”.
Portanto, o príncipe deverá sempre manter a amizade do povo ou, caso tenha se tornado príncipe pelo favor dos grandes, deverá trair estes últimos e conquistar o favor do povo, "o que também será fácil" por duas razões: a primeira é que ele, como vimos, só quer proteção; a segunda é esta: "Como os homens se ligam mais ao seu benfeitor se recebem o bem quando esperam o mal, nesse caso, o povo se torna mais rapidamente favorável ao príncipe do que se ele tivesse sido conduzido ao principado graças ao seu apoio”. Segundo Maquiavel, "é necessário ao príncipe ter o povo como amigo; caso contrário, não terá remédio na adversidade”. Contudo, ele não pode confiar demasiadamente nos cidadãos e deverá fazer tudo o que está em seu poder para que os súditos tenham necessidade dele.

As milícias.

No capítulo X, Maquiavel muda completamente de perspectiva e passa a considerar a questão de como se defender das tentativas de conquista por parte de outros príncipes. Maquiavel se concentra no caso de quem não possa enfrentar o inimigo diretamente numa campanha militar. O conselho de Maquiavel é "fortificar bem a sua cidade" e governar bem os súditos, de maneira que eles se tornem fiéis ao príncipe.
Maquiavel tratará, ainda, nos capítulos XII a XIV, do caso do príncipe que pode se permitir criar um exército e, em particular, a questão de qual deveria ser a natureza desse exército: se deve ser formado por soldados mercenários ou por uma milícia cívica.
A conclusão por ele oferecida no capítulo XII é de que as armas mercenárias e auxiliares "são inúteis e perigosas", porque são "desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis, valentes entre amigos e covardes entre inimigos, sem temor a Deus nem probidade para com os homens”. Além disso, os capitães mercenários "ou são homens excelentes ou não o são". Se o forem, não é possível confiar neles, "porque sempre aspirarão a uma grandeza própria”, quer arruinando o seu patrão, quer oprimindo os outros contra a vontade deles. Se não forem valorosos, por isso mesmo arruinarão o seu patrão.
Maquiavel pensa que o príncipe deveria preferir "até perder com suas tropas a vencer com tropas alheias" e chega a formular uma máxima que parece estar em contradição com tudo o que ele escreve em outras passagens a respeito da importância de o príncipe se ocupar em governar bem sobre os seus súditos: "Deve, portanto, um príncipe não ter outro objetivo, nem pensamento, nem tomar como arte sua coisa alguma que não seja a guerra, sua ordem e disciplina, porque esta é a única arte que compete a quem comanda”. Na realidade, o conhecimento desta "arte" constitui um requisito indispensável no mundo de Maquiavel, no qual a política se reduz fundamentalmente à luta para conquistar o poder através da astúcia ou da força e mantê-Io através das armas.

As virtudes do príncipe: moral e política.

A partir do capítulo XIV, e mais especialmente do XV, Maquiavel muda o objeto de sua análise e começa a ocupar-se, agora, da figura do prín¬cipe. Com respeito à figura do príncipe apresentada por Maquiavel nesses capítulos, deve-se sublinhar quatro conceitos fundamentais, a fim de se entender a posição do nosso autor: virtú, ocasião, fortuna e necessidade.
A virtú na qual fala Maquiavel não é a virtude no sentido tradicional clássico ou cristão, isto é, entendida como excelência moral, como qualidade de caráter moralmente positiva. Maquiavel se inspira muito mais no conceito latino de virtus, ou seja, como qualidade que contradistingue o vir, o homem varonil, conforme a definição de vir virtutis (homem virtuoso) ofe-recida por Cícero. Isso não significa que a virtú se deixa identificar simplesmente com a coragem ou a bravura.
Conforme a interpretação de Maquiavel desse conceito clássico, a virtú é uma excelência de caráter que aponta para a consecução de determinados fins políticos e que está baseada em capacidades práticas, das quais parte é congênita, e portanto não suscetível de ser modificada, e parte é aprendida, e por isso passível de ser aperfeiçoada. A virtú não possui nenhuma qualidade moral. Consiste muito mais numa mescla de qualidades diversas e, em parte, opostas, cujo valor só pode ser julgado a respeito de sua aplicabilidade na práxis política: coragem, valentia militar, magnanimidade, resistência, prudência e sobretudo a capacidade de reagir da maneira melhor em cada situação. O homem virtuoso sabe adaptar-se às diferentes ocasiões. Ele não possui o caráter sólido e inflexível do homem do ideal estóico, que prefere se quebrar a se dobrar às circunstâncias. O homem virtuoso é flexível e possui elementos do caráter do leão e da raposa: sabe ser cruel ou astuto conforme as circunstâncias.
No que diz respeito às tradicionais virtudes aristotélicas ou cristãs, o príncipe não precisa possuí-Ias verdadeiramente. Deve, antes, causar a impressão de possuí-Ias (assim como no caso de todas as outras qualidades). Na realidade, Maquiavel, ao libertar o homem virtuoso dos deveres mo¬rais que as tradições clássica e cristã impõem aos indivíduos, não recusa essas tradições, nem defende uma posição de amoralismo absoluto. Ele pretende somente separar decisivamente os âmbitos da moral e da política. Em relação ao primeiro, Maquiavel se revela freqüentemente um moralista rígido, ligado às concepções tradicionais de virtude e de moralidade individual. Se lermos, então, sua antropologia como catálogo de qualidades negativas e não simplesmente como enumeração moralmente neutra das características humanas, e se considerarmos suas obras literárias, viria ao nosso encontro a figura de um Maquiavel que condena os vícios tradicionais e prega o temor a Deus (como na sua Exortação à penitência, um sermão escrito para um domin¬go de Quaresma).
Sobre a política, os critérios para julgar ações e comportamentos nesse âmbito não podem ser os mesmos do âmbito moral. O único critério aceito por Maquiavel é o êxito. Um príncipe pode ser louvado ou vituperado pelas suas qualidades, mas o sucesso em conseguir os seus fins políticos lhe produzirá sempre louvor, sendo-lhe, por conseguinte, mais importante do que qualquer excelência moral. Logo, se o príncipe, para alcançar tais fins, precisa fazer uso da crueldade ou da avareza, então, tanto pior para a moralidade tradicional! Dessa maneira também as qualida¬des morais tornam-se simples instrumentos na luta pelo poder e o sucesso político.
Isso não significa que Maquiavel não possa distinguir ações boas de ações más em seu sentido tradicional. Mas na política não há lugar para julgamentos morais deste tipo. Cada qualidade humana que a tradição considerava uma virtude (humanidade, generosidade etc.) ou como um vício (crueldade, avareza etc.) deve ser julgado exclusivamente com respeito aos seus efeitos na práxis política. Se uma certa qualidade humana serve para a obtenção do fim estabelecido, então ela é boa - em sentido não-moral -; senão é nociva - mas não "má" em sentido moral. Por essa razão, no capítulo XVI, Maquiavel contradiz uma opinião comum a todos os tradicionais manuais para prín¬cipes e afirma que é melhor para o príncipe ser miserável (ou "incorrer na fama de miserável”, como ele escreve, e conforme sua idéia de que as aparências contêm mais do que a realidade) do que ser liberal, pois ser miserável "é um dos vícios que lhe permitem governar”. Pela mesma razão, Maquiavel afirma no capítulo seguinte que é melhor ter a fama de cruel, pois "é muito mais seguro ser temido do que amado”.
Maquiavel passa então a comparar, no capítulo XVIII, o príncipe a um centauro, que compartilha a natureza huma¬na e a animal. Assim, o príncipe deve saber usar qualidades próprias de dois animais: por um lado, a ferocidade e a força do leão; por outro, a astúcia da raposa, a capacidade de simular e dissimular e a habilidade de enganar os outros. Como justificativa Maquiavel aponta o fato de que esse preceito não seria bom se os homens fossem todos bons; porém, sendo eles maus e não cumprindo sua própria palavra, o príncipe não precisa respeitar as promessas feitas aos homens.
Nos capítulos sucessivos Maquiavel insiste na reformulação da imagem tradicional do príncipe, aconselhando-o a não fugir do ódio em geral, mas somente do ódio do povo, pois sem ter o povo ao seu lado sempre se encontrará em grandes dificuldades: "A melhor fortaleza que existe é não ser odiado pelo povo”, e sendo assim o príncipe não deve deixar de entretê-Io "com festas e espetáculos”. O príncipe não deve, além disso, ter receio de tomar posição a favor de um poderoso e contra outro: "Esse partido é sempre melhor do que se manter neutro”, porque, se dois dos seus vizinhos entrarem em guerra, o vencedor poderia considerar a sua neutralidade como sinal de hostilidade e tornar-se inimigo; portanto, "será sempre mais útil declarar-se e fazer jogo limpo". Uma prudência excessiva leva à ruína, porque assim quer a fortuna.
Por fim, no capítulo XXIII, Maquiavel admoesta o príncipe para que não confie nos aduladores e naqueles que oferecem conselhos não pedidos. Um príncipe prudente é o melhor conselheiro de si mesmo e não precisa de outros.
As virtudes mencionadas no Príncipe são consideradas nessa obra apenas em seu caráter político: o príncipe deve tê-Ias, ou parecer tê-Ias, para alcançar o sucesso político, e não para tornar-se um indivíduo moralmente melhor. Nesse senti¬do, o jogo entre virtú e ocasião fica extremamente complexo, já que o homem virtuoso deve adaptar-se à ocasião particu¬lar, embora isto pareça não ser uma garantia suficiente para o êxito de sua ação devido ao papel da fortuna. Maquiavel escreve a respeito de Ciro, Rômulo e demais conquistadores ou fundadores de reinos: "Examinando suas ações e suas vidas, veremos que não receberam da fortuna mais do que a ocasião, que lhes deu a matéria para introduzirem a forma que lhes aprouvesse. E, sem ocasião, a virtú de seu ânimo se teria perdido, assim como, sem a virtú, a ocasião teria seguido em vão”.
Uma conseqüência ulterior é a dificuldade de compa¬rar os homens virtuosos entre si não somente porque eles possuem qualidades diferentes e em medida diferente, mas também porque devem demonstrar a sua virtú em circunstâncias diversas.

O papel da fortuna nas coisas humanas.

O conceito de oca¬sião introduz um elemento de temporalidade no ideal do homem político de Maquiavel: embora possa ter muitas qualidades pessoais, ele deve ser capaz de reagir de maneira justa nas situações difíceis; caso contrário, toda a sua virtude resultará inútil.
Para Maquiavel, há dois tipos de necessidade: o primeiro é a necessidade imposta aos homens por outros homens, como no caso da coação exercida pelo soberano sobre os seus súditos. É nesse tipo de necessidade que Maquiavel pensa ao dizer que os homens são bons somente se necessitados de o ser. O segundo tipo de necessidade é imposta aos homens (a todos eles) pela fortuna. Nessa concepção, Maquiavel revela o seu ataque à tradição clássica e à sua idéia de Fortuna como deusa da fatalidade e dos golpes da sorte. Na Idade Média, sobretudo a partir de Agostinho, essa idéia foi substituída por aquela da providência divina, mas a imagem da Fortuna com a sua roda (com a qual giram as sortes humanas) ficou presente na imaginação popular e também em numerosos tratados de moral. No Renascimento, a fortuna voltou a ser considerada o motor das vicissitudes humanas, porém sem o fatalismo que permeava a concepção clássica. Segundo os humanistas, a fortuna pode ser vencida pela razão e pela virtude dos homens. Maquiavel se coloca entre os dois extremos, o fatalismo clássico e o otimismo humanista. Fortuna pode ser vencida, mas isso é muito difícil, porque pressupõe a capacidade de mudar a própria natureza para adaptar-se às novas circuns¬tâncias criadas pela sorte, e poucos são os indivíduos capa¬zes disso, particularmente quando eles tiveram êxitos, por¬que não poderão admitir a necessidade de mudar sua trilha.
A fortuna em Maquiavel é menos uma força obscura e cega do que uma entidade pessoal, dotada de vontade e de fins próprios: ''A fortuna ¬ sobretudo quando quer enaltecer um príncipe novo, que tem maior necessidade de elevar sua reputação do que um príncipe hereditário - cria-lhe inimigos e movimentos de oposição para que ele tenha oportunidade de superá-Ios e possa, por meio da escada colocada por seus inimigos, subir mais alto”.
Logo, é muito difícil eliminá-Ia. Nem por isso Maquiavel cai no pessimismo. Se a fortuna é uma pessoa dotada de vontade, ela é também "mulher" e pode ser dominada e batida particularmente pelos impetuosos e pelos jovens, "porque são menos tímidos, mais ferozes e a dominam com maior audácia". A parte teórica do livro (o último capítulo é a exortação para libertar a Itália) é concluída, portanto, com um derradeiro convite ao prín¬cipe para ser audaz e feroz, a fim de alcançar êxito.

Rogério Andrade.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Cigarro vicia mais que maconha, diz estudo

RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO

Maconha é coisa de jovem: o usuário típico deixa a erva conforme vai envelhecendo, diz um estudo internacional que revisou os principais trabalhos já feitos sobre o tema.
Psiquiatra afirma que a legalização aumentaria o uso
De acordo com o "Cannabis Policy", publicação de 300 páginas lançada nos EUA, a droga ganha do álcool e do tabaco em segurança. Nove por cento dos que experimentam maconha tornam-se dependentes, contra 32% do tabaco e 15% do álcool.
Segundo os dados de Robin Room, da University of Melbourne, líder do trabalho, a droga causa relativamente poucos acidentes de trânsito. "Essa é a principal preocupação relacionada aos efeitos agudos da maconha", escreve Room, "porque ela reduz a atenção e a coordenação motora".
Dados mais recentes mostram que a maconha duplica a chance de acidentes. O álcool é pior: aumenta mais de dez vezes o risco. "Aparentemente, os motoristas que fumaram maconha dirigem mais devagar."

veja reportagem na integra no endereço:
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/790973-cigarro-vicia-mais-que-maconha-diz-estudo.shtml
 
Bom proveito, saudações jusfilosóficas,
Rogério Andrade

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Resposta à pergunta: o que é Esclarecimento?

Resposta à Pergunta: Que é esclarecimento?

Immanuel Kant

Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento.

A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranqüilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá-lo em geral para não fazer outras tentativas no futuro.

É difícil portanto para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes do abuso, de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um salto inseguro mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a este movimento livre. Por isso são muitos poucos aqueles que conseguiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender então uma marcha segura.

Que porém um público se esclareça a si mesmo é perfeitamente possível; mais que isso, se lhe for dada a liberdade, é quase inevitável. Pois econtrar-se-ão sempre alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os tutores estabelecidos da grande massa, que, depois de terem sacudido de si mesmos o jugo da menoridade, espalharão em redor de si o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem em pensar por si mesmo. O interessante nesse caso é que o público, que anteriormente foi conduzido por eles a este jugo, obriga-os daí em diante a permanecer sob ele, quando é levado a se rebelar por alguns de seus tutores que, eles mesmos, são incapazes de qualquer esclarecimento. Vê-se assim como é prejudicial plantar preconceitos, porque terminam por se vingar daqueles que foram seus autores ou predecessores destes. Por isso, um público só muito lentamente pode chegar ao esclarecimento. Uma revolução poderá talvez realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de domínios, porém nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar. Apenas novos preconceitos, assim como os velhos, servirão como cintas para conduzir a grande massa destituída de pensamento.

Para este esclarecimento porém nada mais se exige senão LIBERDADE. E a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer um uso público de sua razão em todas as questões. Ouço, agora, porém, exclamar de todos os lados: não raciocineis! O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos! O financista exclama: não raciocinei, mas pagai! O sacerdote proclama: não raciocineis, mas crede! (Um único senhor no mundo diz: raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Eis aqui por toda a parte a limitação da liberdade. Que limitação, porém, impede o esclarecimento? Qual não o impede, e até mesmo favorece? Respondo: o uso público de sua razão deve ser sempre livre e só ele pode realizar o esclarecimento entre os homens. O uso privado da razão pode porém muitas vezes ser muito estreitamente limitado, sem contudo por isso impedir notavelmente o progresso do esclarecimento. Entendo contudo sob o nome de uso público de sua própria razão aquele que qualquer homem, enquanto SÁBIO, faz dela diante do grande público do mundo letrado. Denomino uso privado aquele que o sábio pode fazer de sua razão em um certo cargo público ou função a ele confiado. Ora, para muitas profissões que se exercem no interesse da comunidade, é necessário um certo mecanismo, em virtude do qual alguns membros da comunidade devem comportar-se de modo exclusivamente passivo para serem conduzidos pelo governo, mediante uma unanimidade artificial, para finalidades públicas, ou pelo menos devem ser contidos para não destruir essa finalidade. Em casos tais, não é sem dúvida permitido raciocinar, mas deve-se obedecer. Na medida, porém, em que esta parte da máquina se considera ao mesmo tempo membro de uma comunidade total, chegando até a sociedade constituída pelos cidadãos de todo o mundo, portanto na qualidade de sábio que se dirige a um público, por meio de obras escritas de acordo com seu próprio entendimento, pode certamente raciocinar, sem que por isso sofram os negócios a que ele está sujeito em parte como membro passivo. Assim, seria muito prejudicial se um oficial, a que seu superior deu uma ordem, quisesse pôr-se a raciocinar em voz alta no serviço a respeito da conveniência ou da utilidade dessa ordem. Deve obedecer. Mas, razoavelmente, não se lhe pode impedir, enquanto homem versado no assunto, fazer observações sobre os erros no serviço militar, e expor essas observações ao seu público, para que as julgue. O cidadão não pode se recusar a efetuar o pagamento dos impostos que sobre ele recaem; até mesmo a desaprovação impertinente dessas obrigações, se devem ser pagas por ele, pode ser castigada como um escândalo (que poderia causar uma desobediência geral). Exatamente, apesar disso, não age contrariamente ao dever de um cidadão se, como homem instruído, expõe publicamente suas idéias contra a inconveniência ou a injustiça dessas imposições. Do mesmo modo também o sacerdote está obrigado a fazer seu sermão aos discípulos do catecismo ou à comunidade, de conformidade com o credo da Igreja a que serve, pois foi admitido com esta condição. Mas, enquanto sábio, tem completa liberdade, e até mesmo o dever, de dar conhecimento ao público de todas as suas idéias, cuidadosamente examinadas e bem intencionadas, sobre o que há de errôneo naquele credo, e expor suas propostas no sentido da melhor instituição da essência da religião e da Igreja. Nada existe aqui que possa constituir um peso na consciência. Pois aquilo que ensina em decorrência de seu cargo como funcionário da Igreja, expõe-no como algo em relação ao qual não tem o livre poder de ensinar como melhor lhe pareça, mas está obrigado a expor segundo a prescrição de um outro e em nome deste. Poderá dizer: nossa igreja ensina isto ou aquilo; estes são os fundamentos comprobatórios de que ela se serve.

Tira então toda utilidade prática para sua comunidade de preceitos que ele mesmo não subscreveria com inteira convicção, em cuja apresentação pode contudo se comprometer, porque não é de todo impossível que em seus enunciados a verdade esteja escondida. Em todo caso, porém, pelo menos nada deve ser encontrado aí que seja contraditório com a religião interior. Pois se acreditasse encontrar esta contradição não poderia em sã consciência desempenhar sua função, teria de renunciar. Por conseguinte, o uso que um professor empregado faz de sua razão diante de sua comunidade é unicamente um uso privado, porque é sempre um uso doméstico, por grande que seja a assembléia. Com relação a esse uso ele, enquanto padre, não é livre nem tem o direito de sê-lo, porque executa uma incumbência estranha. Já como sábio, ao contrário, que por meio de suas obras fala para o verdadeiro público, isto é, o mundo, o sacerdote, no uso público de sua razão, goza de ilimitada liberdade de fazer uso de sua própria razão e de falar em seu próprio nome. Pois o fato de os tutores do povo (nas coisas espirituais) deverem ser eles próprios menores constitui um absurdo que dá em resultado a perpetuação dos absurdos.

Mas não deveria uma sociedade de eclesiásticos, por exemplo, uma assembléia de clérigos, ou uma respeitável classe (como a si mesma se denomina entre os holandeses) estar autorizada, sob juramento, a comprometer-se com um certo credo invariável, a fim de por este modo de exercer uma incessante supertutela sobre cada um de seus membros e por meio dela sobre o povo, e até mesmo a perpetuar essa tutela? Isto é inteiramente impossível, digo eu. Tal contrato, que decidiria afastar para sempre todo ulterior esclarecimento do gênero humano, é simplesmente nulo e sem validade, mesmo que fosse confirmado pelo poder supremo, pelos parlamentos e pelos mais solenes tratados de paz. Uma época não pode se aliar e conjurar para colocar a seguinte em um estado em que se torne impossível para esta ampliar seus conhecimentos (particularmente os mais imediatos), purificar-se dos erros e avançar mais no caminho do esclarecimento. Isto seria um crime contra a natureza humana, cuja determinação original consiste precisamente neste avanço. E a posteridade está portanto plenamente justificada em repelir aquelas decisões, tomadas de modo não autorizado e criminoso. Quanto ao que se possa estabelecer como lei para um povo, a pedra de toque está na questão de saber se um povo se poderia ter ele próprio submetido a tal lei. Seria certamente possível, como se à espera de lei melhor, por determinado e curto prazo, e para introduzir certa ordem. Ao mesmo tempo, se franquearia a qualquer cidadão, especialmente ao de carreira eclesiástica, na qualidade de sábio, o direito de fazer publicamente, isto é, por meio de obras escritas, seus reparos a possíveis defeitos das instituições vigentes. Estas últimas permaneceriam intactas, até que a compreensão da natureza de tais coisas se tivesse estendido e aprofundado, publicamente, a ponto de tornar-se possível levar à consideração do trono, com base em votação, ainda que não unânime, uma proposta no sentido de proteger comunidades inclinadas, por sincera convicção, a normas religiosas modificadas, embora sem detrimento dos que preferissem manter-se fiéis às antigas. Mas é absolutamente proibido unificar-se em uma constituição religiosa fixa, de que ninguém tenha publicamente o direito de duvidar, mesmo durante o tempo de vida de um homem, e com isso por assim dizer aniquilar um período de tempo na marcha da humanidade no caminho do aperfeiçoamento, e torná-lo infecundo e prejudicial para a posteridade. Um homem sem dúvida pode, no que respeita à sua pessoa, e mesmo assim só por algum tempo, na parte que lhe incumbe, adiar o esclarecimento. Mas renunciar a ele, quer para si mesmo quer ainda mais para sua descendência, significa ferir e calcar aos pés os sagrados direitos da humanidade. O que, porém, não é lícito a um povo decidir com relação a si mesmo, menos ainda um monarca poderia decidir sobre ele, pois sua autoridade legislativa repousa justamente no fato de reunir a vontade de todo o povo na sua. Quando cuida de toda melhoria, verdadeira ou presumida, coincida com a ordem civil, pode deixar em tudo o mais que seus súditos façam por si mesmos o que julguem necessário fazer para a salvação de suas almas. Isto não lhe importa, mas deve apenas evitar que um súdito impeça outro por meios violentos de trabalhar, de acordo com toda sua capacidade, na determinação e na promoção de si. Causa mesmo dano a sua majestade quando se imiscui nesses assuntos, quando submete à vigilância do seu governo os escritos nos quais seus súditos procuram deixar claras suas concepções. O mesmo acontece quando procede assim não só por sua própria concepção superior, com o que se expõe à censura: Ceaser non est supra grammaticos, mas também e ainda em muito maior extensão, quando rebaixa tanto seu poder supremo que chega a apoiar o despotismo espiritual de alguns tiranos em seu Estado contra os demais súditos.

Se for feita então a pergunta: "vivemos agora uma época esclarecida"?, a resposta será: "não, vivemos em uma época de esclarecimento. Falta ainda muito para que os homens, nas condições atuais, tomados em conjunto, estejam já numa situação, ou possam ser colocados nela, na qual em matéria religiosa sejam capazes de fazer uso seguro e bom de seu próprio entendimento sem serem dirigidos por outrem. Somente temos claros indícios de que agora lhes foi aberto o campo no qual podem lançar-se livremente a trabalhar e tornarem progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento geral ou à saída deles, homens, de sua menoridade, da qual são culpados. Considerada sob este aspecto, esta época é a época do esclarecimento ou o século de Frederico.

Um príncipe que não acha indigno de si dizer que considera um dever não prescrever nada aos homens em matéria religiosa, mas deixar-lhes em tal assunto plena liberdade, que portanto afasta de si o arrogante nome de tolerância, é realmente esclarecido e merece ser louvado pelo mundo agradecido e pela posteridade como aquele que pela primeira vez libertou o gênero humano da menoridade, pelo menos por parte do governo, e deu a cada homem a liberdade de utilizar sua própria razão em todas as questões da consciência moral. Sob seu governo os sacerdotes dignos de respeito podem, sem prejuízo de seu dever funcional expor livre e publicamente, na qualidade de súditos, ao mundo, para que os examinasse, seus juízos e opiniões num ou noutro ponto discordantes do credo admitido. Com mais forte razão isso se dá com os outros, que não são limitados por nenhum dever oficial. Este espírito de liberdade espalha-se também no exterior, mesmo nos lugares em que tem de lutar contra obstáculos externos estabelecidos por um governo que não se compreende a si mesmo. Serve de exemplo para isto o fato de num regime de liberdade a tranqüilidade pública e a unidade da comunidade não constituírem em nada motivo de inquietação. Os homens se desprendem por si mesmos progressivamente do estado de selvageria, quando intencionalmente não se requinta em conservá-los nesse estado.

Acentuei preferentemente em matéria religiosa o ponto principal do esclarecimento, a saída do homem de sua menoridade, da qual tem a culpa. Porque no que se refere às artes e ciências nossos senhores não têm nenhum interesse em exercer a tutela sobre seus súditos, além de que também aquela menoridade é de todas a mais prejudicial e a mais desonrosa. Mas o modo de pensar de um chefe de Estado que favorece a primeira vai ainda além e compreende que, mesmo no que se refere à sua legislação, não há perigo em permitir a seus súditos fazer uso público de sua própria razão e expor publicamente ao mundo suas idéias sobre uma melhor compreensão dela, mesmo por meio de uma corajosa crítica do estado de coisas existentes. Um brilhante exemplo disso é que nenhum monarca superou aquele que reverenciamos.

Mas também somente aquele que, embora seja ele próprio esclarecido, não tem medo de sombras e ao mesmo tempo tem à mão um numeroso e bem disciplinado exército para garantir a tranqüilidade pública, pode dizer aquilo que não é lícito a um Estado livre ousar: raciocinais tanto quanto quiserdes e sobre qualquer coisa que quiserdes; apenas obedecei! Revela-se aqui uma estranha e não esperada marcha das coisas humanas; como, aliás, quando se considera esta marcha em conjunto, quase tudo nela é um paradoxo. Um grau maior de liberdade civil parece vantajoso para a liberdade de espírito do povo e no entanto estabelece para ela limites intransponíveis; um grau menor daquela dá a esse espaço o ensejo de expandir-se tanto quanto possa. Se portanto a natureza por baixo desse duro envoltório desenvolveu o germe de que cuida delicadamente, a saber, a tendência e a vocação ao pensamento livre, este atua em retorno progressivamente sobre o modo de sentir do povo (com o que este se torna capaz cada vez mais de agir de acordo com a liberdade), e finalmente até mesmo sobre os princípios do governo, que acha conveniente para si próprio tratar o homem, que agora é mais do que simples máquina, de acordo com a sua dignidade.

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Mas se você quiser em PDF pode pegar em:
Data: 30.08.10
Saudações jusfilosóficas

sábado, 3 de julho de 2010

Viva o São João do Maranhão 2010!

O São João no Maranhão é uma riqueza de sabores, ritmos, cores e odores. Tem fogos, bandeirolas e balões (mesmo que só para enfeitar e não causar incêndios). Temos o cacuriá, o tambor de crioula, as danças de quadrilha, portuguesa (embora nascida aqui) e do boiadeiro, ainda temos a dança do côco (cada vez menos frequente nos arraiais!), o lelê.
Das guloseimas, vamos de arroz de cuxá, baião de dois e de maria-isabel. Tortas de caranguejo, sururu, camarão, vatapá e, para os amantes da carne, o churrasquinho de gato com farofa e vinagrete.
De tudo o que o Maranhão tem para oferecer no período de festas juninas, o que mais ganha destaque é o bumba-meu-boi em seus diversos sotaques: matraca (da ilha), pandeirões (pindaré), zabumba (da baixada), costa de mão e de orquestra (região do munin). Não tenho como falar de todos, então mostro alguns.













quinta-feira, 17 de junho de 2010

Como é doce a sabedoria!!

Pensar, pensar
Por Fundação José Saramago

Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma.
Revista do Expresso, Portugal (entrevista), 11 de Outubro de 2008

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sábado, 29 de maio de 2010

Do mito ao logos: o nascimento da filosofia.

Do mito ao logos: o nascimento da Filosofia.
José Rogério de Pinho Andrade

Diz-se que a Filosofia é a forma de pensamento que nasceu na Grécia Antiga, aproximadamente por volta do século VI a.C.. Já desde Aristóteles atribui-se a Tales de Mileto a condição de ser aquele que inaugurou a Filosofia. O que há de tão especial no pensamento de Tales que a ele é atribuída a origem da Filosofia, mesmo que o termo tenha sido atribuído a outro pensador, Pitágoras?

É bem verdade que os povos da Antiguidade elaboraram as suas diferentes visões sobre a natureza e como explicar os seus fenômenos. Contudo, é somente com os gregos que se pode identificar o princípio deste tipo de pensamento que é a Filosofia. Ora, diante de tal certeza o problema que se apresenta é caracterizar a especificidade do saber filosófico contrastando-o com a forma de pensar o mundo própria dos povos da Antiguidade, a saber, os mitos.

O mito, e também a Filosofia, consiste em uma

“forma pela qual o povo explica aspectos essenciais da realidade em que vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos naturais e as origens desse povo, bem como seus valores básicos.” (p. 20)

O que distingue o mito e a filosofia não é tanto o objeto do qual falam, mas o modo como as explicações são dadas, isto é, o tipo de discurso que constituem.

O próprio termo em grego, mythos, representa um discurso que se manifesta como narrativa oral de caráter fictício ou imaginário. De origem indeterminada, portanto no tempo como na autoria, tais narrativas míticas são frutos da tradição cultural e folclórica de um povo que são transmitidas especialmente pela oralidade. Assim, o mito não é, senão, resultado da tradição e não da capacidade criadora de um determinado indivíduo, ou grupos de indivíduos.

O pensamento mítico se configura como a própria visão de mundo dos indivíduos, o modo como eles vivenciam a realidade. Ele pressupõe a adesão, a aceitação dos mesmos, não se prestando à crítica, ao questionamento. E é assim, porque possui um caráter global como experiência do indivíduo no seu todo social e, deste modo, ou o indivíduo aceita tal visão ou não faz parte dela, ela não lhe diz respeito.

Dentre os elementos característicos do pensamento mítico como forma de explicação da realidade, destacam-se o apelo ao sobrenatural, ao mistério, ao sagrado e à magia. Assim, as causas dos fenômenos naturais e de tudo aquilo que acontece aos homens, originaram-se em uma realidade exterior, extra-natural, misteriosa, divina e, somente àqueles homens considerados divinos é dada a capacidade de interpretar. Os deuses e o destino governam tudo o que existe: a natureza, o homem e a sociedade. Os sacerdotes e as práticas religiosas servem como intermediários entre o homem e os deuses. Também constituem formas de intervenção de algum modo na vontade desses deuses.

Aristóteles já afirmava que Tales de Mileto, no século VI a.C., fora o iniciador do pensamento filosófico. Tal pensamento nasce de uma inquietação com o tipo de explicação da realidade apresentada pelo mito. Ao explicar a realidade por meio do mistério e do divino, o mito torna-se impossível como conhecimento, pois que se valerá, justamente, do que é inexplicável, visto o divino encontrar-se em uma esfera além da compreensão humana.

Os primeiros filósofos vão, então, buscar na própria realidade natural uma possibilidade de explicação, isto é, para eles a razão de ser da realidade, as causas dos diversos fenômenos naturais, encontram-se na própria natureza. É, portanto, a condição de pensamento do homem (a razão) que possibilita a compreensão da razão de ser do mundo.

Em seus primórdios, a Filosofia é um estudo da natureza, é o mundo natural que é tomado como objeto de reflexão. Para os gregos, a natureza era entendida a partir do termo physis que pressupõe que os fenômenos naturais são o resultado de causas que se encontram na própria natureza, assim, as leis que regem os acontecimentos naturais não estão em outro mundo, mas sim no mundo natural do qual o homem faz parte e pode conhecê-lo.

O apelo à noção puramente natural implica em relacionar um efeito a uma causa que lhe dá origem e o antecede. Na explicação mítica, a causalidade leva ao inexplicável, ao mistério. Para que o mesmo não aconteça nas explicações filosóficas, os gregos estabeleceram uma causa primeira, um primeiro princípio, ou conjunto de princípios que sirvam de apoio inicial para todo o processo racional e a ela eles denominavam de arque (arkhé).

Tales de Mileto afirmava ser este princípio primordial a água, Anaxímenes e Anaximandro, respectivamente, afirmavam ser o ar e o apéiron (principio ilimitado e indeterminado, indefinido), Heráclito dizia ser o fogo e Demócrito o átomo. Outras explicações sobre tal princípio foram apontadas, mas o que é mais significativo de tudo isto é a tentativa por parte dos filósofos de apresentar uma explicação da realidade em um sentido mais profundo, estabelecendo um princípio básico que permeie toda a realidade e que, ao mesmo tempo, seja um elemento natural.

De tal ideia surge a compreensão de que a natureza é kosmos, isto é, mundo organizado e harmonioso. A natureza assim entendida como cosmos abrange tanto o mundo natural como o espaço celeste. É a ordem racional entendida como a existência de leis e princípios que regem e organizam a realidade, que podem ser entendidas pelo ser humano e que se opõe ao kaos (desordem). Em seus primórdios a Filosofia é, portanto, cosmologia (kosmos + logia).

Em grego o termo logos significa discurso e, enquanto tal, difere do mythos que é narrativa de caráter poético que recorre aos deuses e ao mistério na descrição do real. O logos é fundamentalmente uma explicação em que razões são dadas, é o discurso racional em que as explicações são justificadas e estão sujeitas à crítica e à discussão.

E, por isto mesmo, a Filosofia enquanto modo de explicação da realidade que se inicia por volta do século VI a.C. nas colônias da Grécia com os chamados pré-socráticos, se caracteriza por não ser um discurso dogmático que apresenta verdades absolutas e definitivas.

Bibliografia:

MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia; dos pré-socráticos a Wittgenstein. 6ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

O problema lógico da indução.

O problema lógico da indução
José Rogério de Pinho Andrade

1. Distinção básica entre a indução e a dedução.

Para analisarmos “O problema lógico da indução” convém iniciarmos com uma tentativa de esclarecer o que é a indução para em seguida indicarmos em que consiste o seu “problema lógico”. Não é nosso propósito o detalhamento dos procedimentos da razão, mas tão somente situar, a partir deles, o problema sugerido no tema do trabalho.

O dicionário de filosofia de Nicola Abbagnano nos dá a noção de indução já estabelecida por Aristóteles e com a qual os demais filósofos concordaram, assim, “a indução é o procedimento que leva do particular ao universal.” Ela é “um dos caminhos possíveis pelos quais nós conseguimos formar as nossas crenças; a outra é a dedução (silogismo).”

O valor de cada desses procedimentos (dedução e indução) de construção de crenças, de opiniões e entendimento sobre a realidade é estabelecido pelo seu grau de necessidade e de demonstração. Assim, a dedução tem valor necessário e demonstrativo, enquanto a indução não e, por isto mesmo, ela não constitui ciência (que é demonstrativa), embora possa ter valor para fins de exercício, em dialética ou com objetivos persuasivos em retórica.

O valor de necessidade e demonstração da dedução está no fato de que a relação entre as premissas implica na conexão necessária expressa na conclusão.

Vejamos o exemplo:

“Todos os homens são animais;
todos os animais são mortais;
logo todos os homens são mortais.”

A relação se dá de modo necessário porque o termo médio (animais) constitui a substância ou a razão de ser da conexão.

No que diz respeito à indução, o termo médio não é um porquê substancial, mas um simples fato.

Senão vejamos com o exemplo a seguir:

“Cobre conduz energia;
Zinco conduz energia;
Cobalto conduz energia;
Ora, cobre, zinco e cobalto são metais;
Logo (todo) metal conduz energia.”

O âmbito de validade da conclusão é o mesmo do fato, isto é, da totalidade dos casos em que sua validade foi efetivamente constatada.

No livro “Introdução à Lógica”, assim Irving Copi nos faz entender a indução como

“Argumento que não deseja demonstrar a verdade de suas conclusões como decorrentes, necessariamente, de suas respectivas premissas, limitando-se a estabelecê-las como prováveis, ou provavelmente verdadeiras.” (p.313)

Copi considera que a indução (ou analogia)

“constitui o fundamento da maior parte de nossos raciocínios comuns, na qual, a partir de nossas experiências passadas, procuramos discernir o que nos reservará no futuro.” (p.314)

Deste modo, este tipo de raciocínio não pode ser classificado como válido ou inválido, somente se pode esperar deles é que tenham alguma probabilidade.

Copi, então, caracteriza a indução a partir da seguinte estrutura padrão:

“toda inferência analógica parte da semelhança de duas ou mais coisas em um ou mais aspectos para concluir a semelhança dessas coisas em algum outro aspecto.” (p. 315)

E exemplifica:

a, b, c, d têm todas as propriedades P e Q.
a, b, c têm todos a propriedade R.
Portanto, d tem a propriedade R.

Alan Chalmers aponta que a resposta indutivista entende que é legítimo generalizar a partir de afirmações singulares, desde que certas condições sejam aceitas. Assim elas são enumeradas:

1. O número de proposições de observação que forma a base de uma generalização deve ser grande;
2. As observações devem ser repetidas sob uma ampla variedade de condições;
3. Nenhuma proposição de observação deve conflitar com a lei universal derivada.

Do mesmo modo compreenderá LAKATOS e MARCONI em seu livro “Metodologia Científica” sobre o argumento indutivo (indução) que ele

“é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas.” (p. 53)

As autoras destacam em seu livro que os argumentos dedutivos e indutivos fundamentam-se em premissas, no entanto,

“se nos dedutivos, premissas verdadeiras levam inevitavelmente à conclusão verdadeira, nos indutivos conduzem apenas a conclusões prováveis (...).” (p.53)

Elas destacam dois tipos de indução, a saber:

a) Completa ou formal: é a confirmação do universal a partir da observação de todos os particulares possíveis. É estéril quanto à produção de novos conhecimentos
b) Incompleta ou científica: permite induzir, de alguns casos adequadamente observados, aquilo que se pode dizer (afirmar ou negar) dos restantes elementos da mesma categoria. Este tipo de indução, fundamenta-se na causa ou lei que rege o fenômeno, constatada em um número significativo de casos mas não em todos.

E concluem com relação à indução:

a) De premissas obtidas de casos observados, passa-se à conclusão que expressa informações de casos não observados;
b) Dos indícios percebidos, passa-se a uma realidade desconhecida, por eles revelada;
c) O caminho vai do especial ao mais geral;
d) A extensão das premissas é menor do que a conclusão;
e) Passa-se da descoberta de uma relação constante entre duas propriedades à afirmação de uma relação essencial e necessária entre essas propriedades.

Considerando-se em linhas gerais os procedimentos dos raciocínios dedutivo e indutivo, passemos à análise de em que consiste “O problema lógico da indução.”

2. O problema lógico da indução

De modo direto, em que consiste o “problema lógico da indução?” Quem nos auxiliará a responder a tal questão, também de modo direto, é o epistemólogo e filósofo das ciências Karl Popper em seu livro “A lógica da pesquisa científica”. No capítulo I intitulado “Colocação de alguns problemas fundamentais”, ao tentar explicitar a tarefa da lógica da pesquisa científica, ou da lógica do conhecimento, no qual busca analisar o método das ciências empíricas, ele começa criticando a concepção corrente e comum de que as ciências empíricas caracterizam-se pelo uso dos “métodos indutivos”.

Contundente ele afirma que

“está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados universais de enunciados singulares, independentemente de quão numerosos sejam estes; qualquer conclusão colhida deste modo sempre pode revelar-se falsa (...).” (p.27-28)

A partir daí ele define o problema (lógico) da indução como sendo a questão de saber se as inferências indutivas se justificam e em que condições. Segundo ele, este problema pode, ainda, ser apresentado como

“a indagação acerca da validade ou verdade de enunciados universais que encontrem base na experiência, tais como as hipóteses e os sistemas teóricos das ciências empíricas.” (p. 28)

Chalmers assim apresenta o problema (lógico) da indução:

“Se a ciência é baseada na experiência, então por que meios é possível extrair das afirmações singulares, que resultam da observação, as afirmações universais, que constituem o conhecimento científico?” (p.26)


3. O princípio de indução pode ser justificado?

Como já foi estabelecido, o princípio de indução diz respeito à possibilidade de obtenção de inferências universais a partir de enunciados particulares. Segundo Popper, tal “princípio seria um enunciado capaz de auxiliar-nos a ordenar as inferências indutivas em forma logicamente aceitável.” (p. 28)

Chalmers em seu livro “O que é ciência afinal? descreve o princípio de indução da seguinte forma:

“Se um grande número de As foi observado sob uma ampla variedade de condições, e se todos esses As observados possuíam sem exceção a propriedade B, então todos os As possuem a propriedade B.” (p. 38)

É este o princípio básico em que se fundamenta a ciência, se a posição indutivista for aceita. A esta postura, Chalmers denomina de indutivismo ingênuo. Para o indutivista ingênuo a ciência começa com a observação, é a observação que fornece uma base segura sobre a qual o conhecimento científico é obtido a partir de proposições de observações por indução. Assim, uma questão óbvia com que se defronta o indutivista é: “como pode o principio de indução ser justificado?”

O indutivista pode tentar justificar o princípio da indução por duas abordagens fundamentais:

a) A abordagem lógica;
b) E pela abordagem da experiência.

Pela primeira abordagem, isto é, o apelo à lógica teremos o seguinte: os argumentos lógicos válidos caracterizam-se pelo fato de que, se a premissa do argumento é verdadeira, então a conclusão deve ser verdadeira. Esta é uma das características dos argumentos dedutivos.

Já os argumentos indutivos não se caracterizam deste modo. Eles não são argumentos logicamente válidos, pois é possível que a conclusão de um argumento indutivo seja falsa mesmo que as suas premissas sejam verdadeiras e, ainda assim, não haver contradição.

Popper assim se refere ao problema,

“Ora, o princípio de indução não pode ser uma verdade puramente lógica, tal como uma tautologia ou um enunciado analítico. De fato se existisse algo assim como um princípio puramente lógico de indução, não haveria problema de indução, pois, em tal caso, todas as inferências indutivas teriam de ser encaradas como transformações puramente lógicas ou tautológicas, exatamente como as inferências no campo da Lógica Dedutiva.” (p. 28-29)

Não sendo possível justificar o principio indutivo pela abordagem lógica, o indutivista é obrigado a apelar para outro recurso, a saber, a experiência. E como seria uma derivação de tal ordem?

Provavelmente seria assim: já foi observado que a indução funciona em um grande número de ocasiões e, deste modo, estaria justificado o principio de indução. A expressão de tal justificação apresentada por Chalmers seria a seguinte:

“O princípio de indução foi bem na ocasião X1
O princípio de indução foi bem na ocasião X2 etc.
Logo, o princípio de indução é sempre bem sucedido.” (p. 38)

Esta justificação é inaceitável como já demonstrou Hume no Século XVIII. Segundo ele, o argumento utilizado pelo indutivista é circular, pois se vale do próprio tipo de argumentação indutiva cuja validade está supostamente precisando de justificativa e, assim, não pode ser utilizado para justificar o princípio de indução. Por este raciocínio, infere-se uma afirmação universal que assegura a validade do princípio de indução registrando bem sucedidas aplicações do princípio.

Além da circularidade, o princípio de indução sofre de outras deficiências e estas se originam da vagueza e dubiedade da exigência de que um “grande número” de observações deve ser feito sob uma “ampla variedade” de circunstâncias.

O problema está justamente em estabelecer a quantidade de observações que constituem um grande número, isto é, “se o princípio da indução deve ser um guia para o que se estima como inferência científica legítima, então a cláusula ‘grande número’ terá que ser determinada detalhadamente.” (CHALMERS, 1972, p. 39-40)

A outra ameaça que se apresenta ao indutivismo ingênuo é a “exigência de que as observações devem ser feitas sob uma ampla variedade de circunstâncias (...).” (CHALMERS, 1972, p.40) O problema é semelhante ao anterior, pois o que é que deve ser considerado como uma variação significativa nas circunstâncias? A lista de variações pode ser estabelecida indefinidamente por acréscimo de outras e novas variações subseqüentes.

Se não é possível eliminar as variações que poderiam ser consideradas supérfluas, o número de observações necessárias para se chegar a uma inferência indutiva legítima será infinitamente grande. Quais as bases para julgar se um grande número de variações como supérfluo? A resposta ruma para a direção de se considerar que o critério para distinguir as variações que são significativas daquelas que são supérfluas é de base teórica da situação. Mas admitir isto é admitir um papel vital da teoria antes da observação.

Popper se refere ao problema de indução como “supérfluo e deve conduzir a incoerências lógicas” e, acrescenta,

“Pois o princípio de indução tem de ser, por sua vez, um enunciado universal. Assim, se tentarmos considerar sua verdade como decorrente da experiência, surgirão de novo os mesmos problemas que levaram à sua formulação. Para justificá-lo, teremos de recorrer a inferências indutivas e, para justificar estas, teremos de admitir um princípio indutivo de ordem mais elevada, e assim por diante. Dessa forma, a tentativa de alicerçar o princípio de indução na experiência malogra, pois conduz a uma regressão infinita.” (p. 29)

O recurso à experiência também pode ser classificada como a solução subjetivista ou crítica do problema da indução. Segundo Nicola Abbagnano, ela foi proposta por Kant e “consiste em admitir a uniformidade da estrutura categorial do intelecto e, por isso, da forma geral da natureza que dele depende.” Isto é, a uniformidade das leis obtidas pela experiência está garantida pela uniformidade da forma comum (intelecto-natureza).

4. Algumas possibilidades de defesa do princípio de indução?

a) O Recuo à probabilidade

Uma argumentação em favor do indutivismo pode ser apresentada apelando-se à probabilidade, isto é, embora as generalizações obtidas por induções legítimas não possam ser garantidas como perfeitamente verdadeiras, elas são provavelmente verdadeiras. Isto é, à luz das evidências das premissas é muito provável que a conclusão indutiva seja verdadeira.

Considerando-se que o conhecimento científico representa conhecimento que é provavelmente verdadeiro quanto maior for o número de observações formando a base de uma indução e maior a variedade de condições sob as quais essas observações são feitas, maior será a probabilidade de que as generalizações resultantes sejam verdadeiras.

Substituir o princípio da indução pelo da probabilidade não superará em nada o problema de justificativa da indução, pois que o princípio da probabilidade ainda é um princípio universal obtido indutivamente e que sofre das mesmas deficiências das tentativas de justificar o princípio em sua forma original.

Segundo entendimento de Chalmers, a probabilidade aplicada às leis e teorias científicas incorre no seguinte problema:

“(...) qualquer evidência observável vai constituir em um número finito de proposições de observação, enquanto uma afirmação universal reivindica um número infinito de situações possíveis”. (p. 42)

Outra tentativa de salvar o programa indutivista está associada à

“desistência da ideia de atribuir probabilidades a leis e teorias científicas. Em vez disso, a atenção é dirigida para a probabilidade de previsões individuais estarem corretas.” (p. 42)

Deste modo, a ciência estaria

“relacionada com a produção de um conjunto de previsões individuais em vez de produção de conhecimento na forma de um complexo de afirmações gerais (...).” (p. 42)

Ora, tal postura atribuída à ciência, é no mínimo antiintuitiva. E, mesmo que assim se dê com a atenção científica voltada para as previsões individuais, pode-se argumentar que as teorias científicas e as previsões universais, “estão inevitavelmente envolvidas na estimativa da probabilidade de uma previsão ser bem-sucedida.” (p. 42-43) E é justamente esta dependência da probabilidade de exatidão de previsões às teorias e leis universais que enfraquece a sua defesa.

A postura probabilista, segundo Nicola Abbagano está associada à classificação pragmática da solução do problema de justificação do princípio de indução. De um modo geral, diz tal interpretação que a justificação pode ser feita asseverando-se:

a) Que a indução é o único meio de obter previsões;
b) Que ela é o único meio suscetível de autocorreção.

A crítica a esta postura já foi estabelecida. No primeiro caso, reforça-se a ideia de que o sucesso das previsões não confirma a indução, e o seu insucesso não a nega. No segundo caso, pressupõe-se que para estabelecer a autocorreção que ela seja progressiva, isto é, que seja dirigida para uma direção única e apropriada. Nos dois casos é de uma pretensão dedutiva que se trata em última instância.

b) A postura cética e o falsificacionismo.

Segundo Chalmers uma das respostas possíveis ao problema da indução é a postura cética adotada e que consiste em aceitar que a ciência se baseia na indução e aceitar também a demonstração de que a indução não pode ser justificada por apelo à lógica ou à experiência, e concluir que a ciência não pode ser justificada racionalmente. Esta é a posição de David Hume que sustenta que crenças em leis e teorias nada mais são do que hábitos ou crenças adquiridos como produto da repetição.

A solução (crítica) apresentada ao princípio de indução no modelo de Hume, fica também conhecida como solução objetivista segundo Nicola Abbagnano e consiste em considerar a existência de uma uniformidade da natureza que admite a generalização das experiências uniformes. Supõe, portanto, o princípio da causalidade e do determinismo natural.

Outra resposta possível

“é enfraquecer a experiência indutivista de que todo conhecimento não-lógico deve ser derivado da experiência e argumentar pela racionalidade do princípio da indução sobre outra base.” (p. 44)

Ver o princípio da indução como “óbvio” não é aceitável, pois que o óbvio “depende demais de nossa educação, nossos preconceitos e nossa cultura para ser um guia confiável para o que é razoável.” (p. 44)

Uma última solução ao problema da indução envolve a negação de que a ciência se baseie em indução. O problema de indução será evitado se pudermos estabelecer que a ciência não envolva indução. Os falsificacionistas, especialmente Karl Popper, tentam fazer isto.

5. Conclusão

Pode-se concluir com relação ao “Problema lógico da indução” que não é possível justificar a indução, mas também que seu problema carece de sentido se considerarmos o termo justificação como demonstração da validade infalível do procedimento indutivo. Não tem sentido porque inferir os casos não observados dos casos observados, não é possível por falta de dados. Se tais dados forem apresentados, o problema deixa de existir.

No entanto, a eliminação do problema lógico da indução, não exime o filósofo da responsabilidade de analisar os procedimentos aplicados por cada ciência, de confrontar tais procedimentos e de fazer as devidas generalizações que possam advir desse confronto.

Os procedimentos científicos e, em geral, os procedimentos racionais do homem consistem em limitar os riscos e não eliminá-los. Portanto, os procedimentos filosóficos não podem ser propostos de tal forma que a sua solução signifique a eliminação do risco.

Bibliografia:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. 1ª ed. Alfredo Bosi. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
CHALMERS, Alan F. O que é ciência, afinal? Trad. Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI; Marina de Andrade. Metodologia Científica. 3. Ed São Paulo: Atlas, 2000.
POPPER, Karl. A lógica da Pesquisa Científica. Trad. Leônidas Hegemberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Editora Cultrix, 1972.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Freud à atualidade. v. 7. São Paulo: Paulus, 2006. (Coleção História da Filosofia)
________________________. História da Filosofia: de Spinoza a Kant. v. 4. São Paulo: Paulus, 2005. (Coleção História da Filosofia)